terça-feira, 8 de junho de 2010

Rua da JinX - Entre Mágoa e Ilusão - I

De mãos ansiosas retiro a chave do pescoço à revelia de amparo ou aparências... Hoje és tu e eu, só tu e eu, apenas nós.

Afago o pequeno objecto que abre a porta da minha rua e depois de o levar aos lábios aperto-o contra o peito. - Significas tanto para mim que seria capaz de transportar-te sob o meu corpo, tivesses tu, meu tesouro, o peso do mundo. - Passo as mãos pelas veias nodosas na madeira dourada da velha porta, estudo cada pormenor, a mais ínfima particularidade da sua forma majestosa. Os anos tornaram-te incomparável, justamente, insubstituível. O pequeno prodígio criado no limiar do meu horizonte…

Sou suspeita ao descrever o assombro dos meus olhos. Como encontrar palavras que consigam abraçar as minúsculas partículas que se levantam á minha entrada e dão forma aos raios de luz que rompem das imensuráveis colunas onde se deita uma aurora perfeita. Como descrever a forma da calçada por onde dancei sustentada por luas e trovões… a sintonia com que o meu cabelo esvoaça no sopro do vento, as minhas asas, o meu destroçar de comoção. Encontro a passos brandos, na amplitude dos meus braços erguidos, os beijos das trepadeiras em flor que enfeitam hoje os meus pensamentos. O azul celeste em cada brotar de primor, milhares, por entre o verde profundo que abraça os arcos que atravesso.

Sigo o meu caminho, hoje sem destino. É assim que prefiro caminhar quando aqui estou. Passo pelo declive das muralhas quebradas com um sorriso, pego numa pedra e coloco-a acima de todas as outras. Esta sou eu.

Sinto-me expectante, quase ansiosa conforme me aproximo dos primeiros portões. Aquela sensação inconfundível de reencontro. O acelerar do sangue que vibra repentinamente nas veias, o impulso que me incita a avançar, a fazer a minha escolha. – Escolhi-os a todos a dado momento. São parte de mim, da minha história…ou não. – Avanço mais um pouco, tento não seguir o hábito, copioso e sedutor, de optar instintivamente pela segurança. Enganei-me muitas vezes ao evitar cumprir o meu percurso, a mim, mas nunca a minha rua.

Miro com desamparo o portal da Ilusão… quase me tento ao passar junto da cerca colorida da Imaginação… o cheiro doce das Memórias… o frágil tinir da campainha junto do Senso…a complexa teia que se estende por onde vislumbro a Experiência... – Por muito tempo limito-me a atravessar o espaço que se apresenta indefinido entre o início e o improvável fim do meu passeio. Não seria a primeira vez. Como escolher entre o bem e o mal, o que me faz sentir feliz ou triste, de onde retiro prazer ou dor. - Quando daí não retiro resposta, limito-me a voltar para trás sem sentir qualquer propensão, e rendo-me à capacidade de ver tudo como um todo. - O Equilíbrio mora na consciência de que o erro faz parte da tentativa.

Começo a ficar cansada. Escusando olhar para trás, sento-me encostada ao muro robusto que separa a Mágoa e a Ilusão e observo o triste cair de uma neblina que se desfaz antes alcançar adiante a estrondosa Euforia. Continuo a sorrir, até mesmo quando me rendo e fecho os olhos…

(...)


…Mudou. O meu despertar não fora provocado, nem tão pouco dera conta de que adormecera ali quando tudo em mim se conteve no sussurrar da mudança. Era instinto o que me afagava de mão gelada a nuca e me retesava cada músculo no corpo.

Quando me levantei cautelosa e estaquei a meio da estrada, o mesmo sol aquecia-me o rosto, frondoso e apetecível… o vento abalara e na sua ausência um ensurdecedor silêncio abundava em meu redor. Indaguei o antes e o depois com a mesma sensação alimentada de curiosidade… nada.

E ao perscrutar o sítio onde havia estado sentada, encontro diante de mim… entre Mágoa e Ilusão, um novo e extraordinário portão.

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