terça-feira, 8 de junho de 2010

Rua da JinX - Entre Mágoa e Ilusão - XIII

“Demasiado espontâneo para pensar…” (Miller)


Não podia ficar ali especada e esperar que as soluções viessem ao meu encontro. Tinha de avançar, sem pensar no que poderia estar do outro lado, e esperar que fosse possível encontrar uma forma de voltar a ter a minha rua, de controlar o meu mundo e ultrapassar este pesadelo. Tinha. Devia isso a mim mesma. Podia já ser tarde… mas não ia entregar nada disso sem ter a certeza de que havia feito tudo para o impedir.

Cruzei os braços na minha frente para tapar o rosto e avancei através da cascata. Desta vez não caí. E não era porque se tinha tornado fácil depois de o ter feito mais vezes do que as que desejava. De facto o peso da água tornou a vergar-me e os meus pés escorregaram no momento em que os enfiei na lama. A diferença eram as duas mãos que me suportaram em pé pelos ombros e me afastaram até a um dos extremos do caminho para junto da parede rochosa. Vi-o pelo canto do olho através do cabelo colado na minha cara. A mesma expressão obstinada enquanto me observou por segundos e se afastou o suficiente para que não se tornasse oportuno que lhe deitasse as mãos. Não era de facto ingénuo ao relembrar que eu não gostava que me tocassem. Sendo ele um estranho isso era insuportável.

- Voltaste. – Confirmei entre dentes antes de desatar a capa pesada dos ombros e a atirar para o chão onde caiu com um baque sobre a lama cor de laranja alcalina.

- Também voltaste. – Mirou-me dos pés à cabeça sem se mostrar constrangido e esperou que eu escorresse o cabelo antes de voltar a ter compostura para o encarar – Ontem tive de ir. Desculpa por não ter dito que ia voltar.

- Farta de saber que ias voltar estava eu. Não tens saído daqui nos últimos tempos.

- De facto. – Sorriu-me com aquele seu ar trocista o que impediu que eu tivesse vontade de descarregar sobre ele, que se oferecia tão voluntarioso pela terceira vez, as minhas frustrações. – Mas hoje foi diferente. Estou aqui porque precisava de confirmar que ias atravessar a cascata.

- Ai sim? – Zombei da sua convicção sem lhe ceder o sorriso que me forçava o canto da boca e me fez virar a cara antes que ele percebesse. – Então porque é que tinhas tanta certeza que eu vinha aqui?

- Porque me disseste.

Disse? Engoli em seco ao sentir a apreensão invadir-me juntamente com a dúvida que se seguia á sua resposta. Ele seria normal? Eu tinha a certeza absoluta que não tinha dito nada que confirmasse a minha vinda ali no dia seguinte. Pelo contrário, mal ele desapareceu na minha frente a vontade era de ter desaparecido também e nunca mais meter ali os pés. Ainda me lembrava do susto que aquilo me causara e da sensação de derrota ao chegar finalmente à saída sem ter conseguido compreender quanto do que ele me tinha dito seria a causa ou a solução para o meu problema. Tomei-me de vários argumentos antes de decidir se valeria mesmo a pena regressar e essa decisão tinha sido tomada muito tempo depois do nosso encontro.

- Não me lembro de te ter dito que ia voltar. – Insisti medindo a distância entre os dois enquanto me metia em bicos dos pés para tentar vislumbrar o final da gruta e o que podia estar alem dela sobre o seu ombro.

- Também não estava à espera que te lembrasses. – Apagou o sorriso do rosto e inclinou-se de maneira a que não conseguisse ver mais nada – Diz-me uma coisa. – Cruzou os braços e fitou-me nos olhos até eu me sentir tão pequenina que quase me encolhi, não de medo, mas de respeito. – Se eu não estivesse aqui agora, tu ias sair da gruta não ias? Ver o que está ali fora…

Ergui o sobrolho sentindo o sangue ferver por ele duvidar de que eu seria mesmo capaz de o fazer sozinha. Fechei os punhos ao lado do corpo e semicerrei os olhos antes de encontrar uma resposta que o remetesse para o quinto dos infernos.

- Foi o que eu pensei. – Frustrou a minha tentativa com mais um sorriso desarmante, coisa que me fez morder o lábio com força antes de começar a bater o pé.

Dito isto tirou uma mochila que trazia ás costas libertando-se com destreza das duas presilhas largas que se cruzavam junto ao peito e segurou-a na minha frente.

- Vou-me arrepender tanto disto.

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