terça-feira, 8 de junho de 2010

Rua da JinX - Entre Mágoa e Ilusão - VIII

“Tarde demais o conheci, por fim; cedo demais, sem conhecê-lo, amei-o profundamente.” (William Shakespeare)



- Não me toques!!! – Afastei-o antes de me alcançar, na tentativa de me erguer da forma mais digna possível. Não perdi muito tempo com o comovente esforço em limpar a lama que escorria do meu rosto. Olhei para a roupa ensopada daquela lama escorregadia e sacudi as mãos em recobro de compostura. Fixei-o por fim. – Quem és tu afinal? – Perguntei num tom esganiçado que saiu ampliado pela acústica daquele espaço – Que sitio é este? Como é que vieste aqui parar? – Bombardeei-o cada vez mais alto, apagando de súbito o sorriso acessível como quem sopra uma vela. Em troca ergueu o sobrolho e cerrou o maxilar. – Como entraste na minha rua? – Berrei jogando as mãos aos seus ombros rígidos num ataque de histeria.

- Acalma-te. – Exigiu sem levantar a voz, segurando firmemente os meus braços com duas mãos grandes e quentes mantendo-me estática na sua frente. Os olhos num impasse estudioso dos meus, tão intenso que me encontrei desprovida de qualquer reacção. – A questão é, como vieste tu parar aqui. – Não era uma pergunta, era a constatação de algo improvável. - Coisinha frágil e irritante.

De repente perdi a noção do quanto dependia de calma e raciocínio. Perdi a noção de muitas coisas quando as suas palavras começaram a surtir um efeito sinistro na minha cabeça. Libertei-me das suas mãos e limitei-me a acertar-lhe, sem me preocupar muito onde, em cheio com a mão na cara.

O som que o meu gesto gerou foi a ultima coisa que ouvi antes de me ver arrastada pelo colarinho e a queda de água me atingir com toda a força na cabeça, roubando o ar e invadindo os meus sentidos. Engasguei-me várias vezes na vã tentativa de me libertar dos braços que me submetiam firmemente. A água embatia no meu corpo com força, era doloroso e aflitivo ter de admitir que (apesar de nunca o vir a fazer explicitamente), eu era realmente bastante frágil. Terminou tão depressa que levei tempo a conseguir voltar a respirar. Assim que abri os olhos ele soltou-me e deixou-me cair no chão aos seus pés. Estava completamente encharcado, estávamos os dois, depois de termos atravessado a cascata para o interior da gruta que levava ao portão de regresso à minha rua. Depois de sacudir vigorosamente a cabeça para escoar a água do cabelo avançou outra vez na minha direcção com os olhos semicerrados numa fúria e expressão tomada de impaciência.

- Vais voltar para a tua rua, agora. – Levantou-me de novo por um braço e empurrou-me na direcção do portão. – Vai e não voltes mais aqui.

Podia ordenar que fosse ele a abandonar o meu espaço, afirmei em pensamento quando parei a pouca distância do portão entreaberto e tentei não ceder com esforço à fraqueza das minhas pernas que tremiam como duas varetas. Este mostrava um pedaço de chão adulterado da minha rua como se zombasse da situação. Podia exigir que se limitasse a perceber, gostasse ou não, que quem devia voltar para trás era ele. Eu entrara num dos portões de algo que era, e isto era inquestionável, meu, portanto tinha pleno direito de estar ali. Não importava que não soubesse onde me trouxera, ou o que significava tudo aquilo, mas definitivamente num espaço que me pertencia. Voltei a olhar para trás e encontrei-o suspenso na expectativa de me ver desaparecer. Não vendo forma de isso se concretizar passou as mãos pelo rosto e cruzou os dedos atrás da nuca. Vi nos seus movimentos fugazes e olhar frustrado como lidava com a minha presença e evitava explodir noutra demonstração de ansiedade.

- Não faz diferença que volte para a minha rua. – Remeti de forma altiva na sua direcção. Cabeça erguida e longe de me deixar domar de medo por aquele perigoso estranho que acabara de tentar afogar-me. Porém longe de me aproximar dele. Ainda me doíam os braços no sítio onde ele me tinha segurado e me mostrara quão insignificante seriam os meus ataques de histeria. – És tu quem está aqui a mais. Quem me garante que não voltas a entrar ali?

- Vê se entendes uma coisa. – Aproximou-se deixando que percebesse o quanto evitava tocar-me. Passou por mim e abriu o portão com ares de serviçal num convite a que abandonasse aquele sítio de forma educada. – Eu não quero saber da tua rua. Nem sabia que era uma rua, nem que te pertencia. Aliás, entrei aqui por acaso.

- Então porque voltaste?

- Porque… - Parou medindo as palavras antes que estas lhe saíssem pela boca com esforço. Controlou-se, abriu a boca para falar e voltou a fechá-la.

- Olha. – Apontei para o outro lado do portão, ignorando a postura descompensada que ele figurava, para o caos que se espalhara depois da sua visita indesejada, e pelos vistos ocasional. – Vês o que está a acontecer? O que tu fizeste!!!

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