- Antes tu que eu. Seja lá o que for que queres dizer com isso.– Esperei sem me mexer. Olhei para a mochila estranha em pele lustrosa que ele mantinha segura na minha frente e limitei-me a esperar sem saber o que fazer depois da sua asserção. – O que é isso?
- É para ti. – Sacudiu-a na minha direcção insistindo para que a segurasse e ultrapassasse o arrufo sem perder muito tempo. – Eu vou lá para fora. Quando estiveres despachada, vai lá ter.
Podia neste momento argumentar e recusar a explicita oferta que ele me fazia. Sabia com uma certeza atroz que eu iria voltar e que me iria encontrar ali. A mochila não era, de todo, casual. Nem a proposta por detrás da oferta. De certa forma já era óbvia aquela sua insistência em se manter por perto, os nossos encontros não eram coincidências. As dúvidas cresciam perante a minha própria predisposição em procura-lo. Em camuflar aquela vontade excessiva de o encontrar novamente, só mais uma vez, com as minhas pequenas demonstrações de frustração. Conseguia ignorar toda a incapacidade em me manter alerta e consciente da verdadeira razão das minhas vindas a uma rua que já não era minha e de onde já não retirava paz, apenas com aqueles encontros. E agora que não existiam retrocessos, que já eram tão desmedidas a minha curiosidade e urgência sobre ele e sobre o que me oferecia com este gesto tão irreflectido, era impensável continuar a insistir nesta postura de dúvidas e despretensão.
Estendi a mão com um aceno de cabeça e fitei os olhos negros que me enchiam da sensação insuperável de um abismo de segredos e mistérios. Porque seriam aqueles olhos o motivo para os meus impulsos?
A mochila era pesada e obrigou-me a ter de segura-la com esforço com ambas as mãos antes de a deixar cair aos meus pés num momento embaraçoso para os dois. Ele inclinou-se para a equilibrar antes de esta cair encima de mim e eu empurrei-a na direcção dele na tentativa de não torcer os pulsos. Por fim a mochila caiu e as minhas mãos seguraram apenas as dele. Isto fez-me disparar o sangue nas veias com uma intensidade aterradora e ele apressou-se a retirá-las.
- Eu espero lá fora. – Disse baixinho como se falasse consigo mesmo e virou-me as costas antes de conseguir definir se aquilo que tinha visto seria mesmo mais um dos seus sorrisos.
Aguardei até o ver desaparecer através da entrada luminosa da gruta, talvez a uns trinta metros de distância, e encarei o que tinha aos meus pés. Ainda estava a recuperar a estabilidade das minhas pulsações quando me dediquei de forma característica a perceber antes de mais, como havia de abrir aquela mochila. Era simples, uma fivela. Era complicado, estava nervosa. Depois de remoer acerca do tempo que perdia em dificultar o que era, ou devia ser, evidente para o mais comum dos mortais, ajoelhei-me e abri a mochila entre as pernas. Mais tempo perdido, agora com a necessidade de desatar os nós complexos que me estavam a impedir de ver o que estava lá dentro. - Não tive dúvidas sobre quem os tinha feito. Estranhos e complicados. - Contive a vontade de gritar por uma faca e suspirei enquanto lentamente dava conta da tarefa.
Finalmente, e depois de sentir as pontas dos dedos dormentes da força com que tinha estado a puxar aquele atilho resistente, meti a mão dentro da mochila e comecei a retirar o que estava no seu interior.
Apercebi-me, enquanto puxava pela primeira coisa a que joguei a mão, de que era sem dúvida feita daquele material sólido e resistente das roupas que ele trazia vestidas. Porém não me detive e fui alinhando as várias peças sobre as rochas húmidas e esverdeadas que se dispunham á minha volta, começando aos poucos a observação do que realmente se tratava. Por ultimo, acomodadas para o grande desfecho, alcancei um horroroso par de botas.
Meti-me de pé, mãos nas ancas e olhar analítico, e estudei uma a uma, cada peça de roupa que ele trouxera propositadamente para mim dentro daquela mochila inglória.
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