terça-feira, 8 de junho de 2010

Rua da JinX - Entre Mágoa e Ilusão - IX

Ignorou a minha aflição com aborrecimento e transpôs o portão para ficar então em silêncio. Demorou muito tempo até que voltasse a falar. Lentamente cruzou os braços sobre o peito, atravessou os olhos escuros e insondáveis pelos meus e voltou a observar o que se apresentava na sua frente. O que antes tinha sido uma rua.

- Não sei porque isto aconteceu. A criação é tua. – Verbalizou libertando-se com agilidade de uma ponta da trepadeira que começava a subir-lhe o braço – Devias conseguir controlar o que se passa aqui. Este é o teu ponto de encontro.

- Ponto de encontro? – Perguntei aproximando-me com cautela. Do que estava ele a falar? Era pior do que eu julgava. Podia ser muito pior do que eu ingénua, tinha imaginado ser possível. – Acho que tu não entendeste bem o que isto é. Isto é uma rua. - Comecei a falar lentamente como se ele fosse de pensamento lento e lhe tivesse escapado o que para mim era tão óbvio. - Um sitio que criei…

- Onde espelhas os teus sentimentos e as tuas emoções. – Completou a minha frase com ares de excelência que serviram para me remeter a um estado de nervosismo por o ter julgado com facilidade, depois regressou ao interior do portão como se isso tornasse mais fácil a nossa débil tentativa de comunicação – Eu sei perfeitamente o que isso é.

- Já tinhas entrado aqui antes? - Silvei baixinho por entre os dentes - Como sabes o que isto é? – Regressei a uma forma contida de inquérito passando as mãos pelas marcas vermelhas dos meus braços relembrando-me para que não voltasse a ser precipitada. Naquele momento ele tinha poucas respostas, mas tinha algumas… e era tanto. – O que queres dizer com ponto de encontro?

Ele encostou-se á parede rochosa do interior da gruta e voltou a sorrir. Aquele sorriso não era igual aos anteriores e quando se transformou numa gargalhada que vibrou sonora até mim enterrei as unhas nas mãos cerradas numa tentativa colossal para não me atirar de novo ao seu pescoço. – Conta até dez… melhor, até vinte. – Esperei. Quando o motivo para tanta gargalhada deixou de causar efeito ele sentou-se no chão junto á entrada do portão. As pernas compridas descontraídas na sua frente e o já característico cruzar de braços incitavam a que me aproximasse em segurança e voltasse a tentar.

- Tu não fazes ideia do que isto é realmente. – Comentou ignorando o meu regresso ao interior do portão com indiferença. Permiti-me sentar-me a certa distancia e esperar que ele fosse tão generoso com as respostas quanto fora com as gargalhadas. – A tua rua, com os teus portões, mais as criaturas estapafúrdias que criaste para representar sentimentos que tentas conter a muros e cadeados, tudo isso, faz parte de um todo.

Mordi a língua antes de deixar fugir o soluço de horror que aquela explicação começava a alimentar. Criaturas estapafúrdias… engoli em seco. Um todo?

- Tenta ver assim… - Começou a falar como se eu fosse mesmo muito lenta de raciocínio. Não consegui esconder a careta inflamada por saber que estava apenas a repetir o comportamento que tivera momentos antes. – Imagina que todas as pessoas têm uma rua como a tua, o seu ponto de encontro fora da realidade, e que todas elas convergem para um espaço comum. Um todo, onde se cruzam os sentimentos e emoções de todos eles.

- Estás a dizer que este portão vai dar ao teu ponto de encontro? – Tentei articular depois de ter acabado de ouvir aquilo e começar a ver uma névoa branca toldar-me a visão.

Se tentasse perceber de facto o que aquilo traduzia em mim e admitisse a sua explicação sem pelo menos tentar combate-la com as minhas inevitáveis ladainhas seria demasiado fácil desistir, preferia encontrar o remédio para a minha própria dor numa improvável e impossível solução.

- Não. Estou a dizer que este portão vai ter a esse todo. – Repetiu acompanhando as palavras monossilábicas com gestos igualmente vagarosos. - Que a partir do momento em que passas por ele, estás em território comum.

- Então onde fica o teu ponto de encontro? Como regressas à tua realidade? – Inclinei-me na sua direcção como se esperasse encontrar mais na sua expressão do que na sua voz, demasiado curiosa pelo que ele não me quisesse revelar.

- O meu ponto de encontro fica muito longe daqui. – Tentou anular a minha emissiva falando em tom severo. O brilho selvagem que reluziu nos seus olhos era uma mensagem clara para que não me aproximasse daquele ponto. – A única forma segura de regressares é nunca te esqueceres de onde fica.

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