A blusa simples de linho esverdeado e umas meias grossas de lã eram as únicas coisas que não tinham sido feitas daquela pele escura e pesada. Tudo o resto provinha daquele material, e fazendo justiça, á minha medida. Soube que me serviam no momento em que lhes metera os olhos encima. Peguei naquilo que me parecia um colete-de-forças e medi-lhe o peso antes de o aproximar do nariz e o atirar outra vez para cima da rocha. Tinha um cheiro medonho a pele curtida havia pouco tempo e a outra coisa que não sabia identificar mas me pareceu igualmente nojenta. Eram vestimentas pesadas e rudes como as dele. E eram para mim.
Espreitei na direcção onde o vira desaparecer para verificar se estava completamente sozinha, confirmei três vezes de diferentes ângulos e voltei para junto da roupa. Agora só tinha uma opção e torci o nariz antes de começar a despir-me o mais depressa que conseguia. Enfiei a camisa pela cabeça antes que me arrependesse, ou que ele viesse ver porque me demorava tanto, peguei nas calças rijas e enfiei uma perna lá dentro sentindo-a colar-se na minha pele impedindo-me de conseguir vesti-las sem me darem luta. Torci-me e retorci-me, apoiei-me na rocha e andei aos pulos enquanto as puxava pelas pernas e estas iam subindo aos poucos até ser possível fechar os colchetes laterais que ficavam até meio da minha coxa. - Duvidava se ia conseguir andar com aquilo vestido. - Tentei baixar-me para apanhar as meias e pasmei com a facilidade com que o fiz. Meti-me de cócoras, levantei-me e subi o joelho até ao peito. A diferença entre as ter vestidas ou estar sem nada era o frio que me fazia bater o queixo e mexer-me como um gafanhoto enjaulado. - Como era possível?!! - “Não penses nisso agora”, repetia enquanto vestia as meias e me sentava para calçar as botas. Não eram o meu número. Virei-me para a entrada embirrando com aquela falha crucial que me ia obrigar a andar enfiada em dois mamarrachos com dez quilos cada um e que me estavam bastante largos. Isto tirando a particularidade de nem trazerem atacadores ou forma de ficarem presas ás minhas pernas sem parecer terem derretido para os lados. Olhei para as minhas sandálias de verão, enfiei-as dentro da mochila e peguei no colete. Dei-lhe meia dúzia de voltas sem perceber como ia vesti-lo sem me debater com as fivelas que se cruzavam em varias direcções. Ele que arranjasse solução para isto também, teimei farta de estar ali enfiada a perder tempo em vez de ir directamente lá para fora e perceber porque era tão importante andar couraçada como se estivesse prestes a ser atirada para uma arena.
Não estava interessada em tirar conclusões de descrições feitas por um estranho, tendo sido generoso ou não, ao me ter trazido o que vestir que se adequasse ao que eu estava prestes a enfrentar ali fora. Sorri ao pegar na mochila, meti o colete por cima do ombro e arrastei os pés até á saída.
A passagem para o exterior encandeou-me ao abandonar a semi-escuridão da gruta. Estava ansiosa com o que ia encontrar a partir dali e não sabia qual seria a minha reacção se acabasse por me decepcionar e preferir recuar. – Ainda existia essa hipótese? - Protegi os olhos com a mão que tinha livre e deixei cair a mochila antes de começar a perceber o que me rodeava. O chão estava completamente encoberto por erva alta e arbustos espinhosos que cresciam desgovernados até á entrada de uma floresta cerrada de carvalhos e cedros escuros. Arrepiei-me com a aragem gelada que trespassava os ramos mais baixos numa mensagem nada convidativa e dei um pulo ao assustar-me com algo que se tinha partido, ou estalado, ou caído…não muito longe. – Era um disparate sentir-me assustada no meio do campo e permitir-me sugestionar por coisas tão simples como sons naturais tais como uma simples pinha a cair da árvore. Não tivesse eu sido criada em contacto com o campo e passado tantas horas sozinha em plena serra… aquilo seria mesmo muito intimidante. - O sol que esbanjava luz pela entrada da gruta não surgia por entre aquelas árvores. Estava numa clareira a partir de onde se elevavam duas colinas rochosas até á base de uma cordilheira abrigada pela sombra de uma neblina imóvel. Aquilo era tudo tão magnificente e assombroso que só fechei a boca quando senti necessidade de engolir em seco.
- Medo?
Fiquei sem pinga de sangue com o susto que a voz dele me pregou e fechei os olhos com força antes de me virar para trás e lhe atirar com o colete encima.
- Nunca mais me faças isso!!! – Apontei-lhe o dedo ao queixo obrigando-o a recuar – Voltas a assustar-me…
- Matas-me. – Brincou devolvendo o colete e ignorando as minhas ameaças com uma careta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário