Dei dois passos para trás, encostei-me no muro oposto e respirando fundo observei…
De todas as mudanças que vira a minha rua sofrer ao longo dos anos, nunca presenciara a nada como o que acabara de acontecer. – Isto era exterior a mim e a tudo o que controlava ou continha no meu mundo. - Intimamente gladiei-me com a necessidade de me proteger, e também, de forma mais intensa (confesso), com a curiosidade soberba por descobrir o que este portal escondia além da sua invulgar aparência.
Não era apenas a sua forma, - Das centenas de portões que atravessara até aqui, seria injusto afirmar que os podia ultrapassar em excentricidade. - Mas a sua beleza asfixiou-me com lágrimas que não consegui libertar, e que, imensas, se acomodaram espaçosamente dentro de mim.
Tivesse eu permanecido adormecida e os meus sonhos teriam sido velados sob uma mão, esculpida, a meus olhos, pelo próprio Pigmaleão na sua eterna busca por perfeição. Este portão arqueado com a forma de uma mão em concha é inteiramente talhado a partir do mais puro âmbar. Uma deslumbrante luz radia em frementes clarões afogueados contidos no interior do mineral, e estes, que lhe oferecem uma voluptuosa forma de vida, não cessam a ligação hipnótica que se estabelece entre nós. Pelo contrário, insinuam-se num chamamento profundo.
De mão estendida, aproximo-me, lentamente, fixa neste encanto. Os meus olhos não pestanejam por tamanho assombro, o de a ver desaparecer como um fantasma solitário, perdido perante mim. Pelos meus lábios escapa um sopro de desvanecimento ao alcançar por fim o toque delicado da sua matéria tépida, rendo-me voraz, com ambas as mãos sedentas pela constatação de que, embora sem antecedentes e sem hipótese de explicação, estava ali… e era real. Exploro e tacteio toda a sua dimensão, cada recanto envolto naquela luz vibrante que me acelerara o coração no peito. - Era, à falta de melhor definição, especial. Sabia-o como sei o meu próprio nome. – Ponderei sobre a forma de o poder abrir. Isto se o que tinha na minha frente era o que à partida julgara, um portal que me levaria, sem duvida, a um local que nunca antes havia visitado.
Mesmo antes da tentativa, deparei-me com o delicado detalhe desenhado no centro da palma. Quase imperceptível, esculpido em relevo, estava a imagem de um colibri. O minúsculo pássaro transmitia através das ondulantes sequências de luz, a sensação de voo. Ali imóvel, ajoelhada debaixo daquele acolhedor amparo, admirei-o. – Era a coisa mais bela e frágil que existia na minha rua. – Não resisti e tudo em mim cedeu àquele reclamar de contacto, à união da minha mão naquela… quase predito, quase inevitável.
Toquei-lhe. Acarinhei a sua imagem com a reverência de quem distingue o banal do inigualável… em troca, – Não sem um brusco susto que me fez exclamar meia dúzia de impropérios – o estalido de uma fechadura, o íntimo ruído associado a desejada aventura, ao início de uma nova jornada.
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