Esperou de expressão rígida que eu lhe acenasse em concordância. Coisa que fiz, apertando-lhe o pulso até que ele tomasse por seguro confiar que o faria. Não ia aproximar ainda mais a cara daquela lâmina. Estava em pânico.
Lentamente recuou e permitiu que o ar nos separasse, a distancia entre os nossos corpos tornou-se suficiente para que após aqueles segundos de intensa percepção de que algo estava a correr mal, eu própria tomasse consciência da reacção brusca nos meus sentidos. Não eram as pequenas brechas no meu entendimento do que podia ser tão grave que o fizesse reagir com aquela detonação de adrenalina, nem a insuportável angustia que lhe brilhava nos olhos ao forçar-me a perceber a gravidade do que estava prestes a surgir sem ter como não me mortificar de medo. A minha própria reacção era por si, esmagadora. O frio gelado que transitava em nosso redor adormecera a capacidade física de me arrepiar conforme a minha pele aflorava pequenos tremores e sentia as correntes do ar fundirem-se com o fluxo acelerado do meu sangue. Estaquei segura nos antebraços firmes da sua figura igualmente estática, ambos ajoelhados de frente um para o outro. A respiração num sopro contido que se tornara tão audível quanto tudo o que me rodeava, esse tudo que abarcava a significante sequência de passos firmes na nossa direcção através das arvores mergulhadas em escuridão.
Abstive-me de transpor essa certeza em palavras. Muito antes de eu ter sido capaz de reagir perante o que agora conseguia afirmar por certo, ele tinha dois punhais nas mãos e a minha boca silenciada.
Procurei naqueles olhos fixos muito além de mim um lampejo de serenidade, uma centelha ténue que me fizesse recordar de onde estava, porquê e como era possível que de um momento para o outro me sentisse tão ameaçada dentro de um mundo que sempre tivera como porto seguro. O que estes me devolviam pairava sobre um reflexo infinito dos meus medos espelhados nos dele.
Soube, independente da minha aceitação, que estava a reagir perante aquele acontecimento de maneira alienada e em puro descontrolo. A íris dilatada dos meus olhos imobilizou-se com a tensão dos sons ampliados que me fustigavam e as certezas absolutas invadiam ininterruptas a minha mente. “Estava sozinho… pouco tempo. Vinte passos… menos.” Apertei os pulsos onde as minhas mãos se mantinham firmadas e esperei. O cheiro que havia minutos atrás me tinha invadido era neste momento tão intenso que me agredia e me obrigava a inspirar lentamente para que o conseguisse suportar. Subitamente surgiu um outro, fugidio por entre a brisa dispersa. “ Homem…frio, metal. Medo.”
Antes que o tempo o impedisse, com um sorriso ardente e gestos morosos, rompeu por entre os ramos baixos de um cedro ressequido na orla ensombrada das árvores uma figura possante de ferro e armas grotescas, cheio de tantos pormenores que a minha mente bloqueou e só me encontrei na visão maravilhosa do seu rosto esguio e delicado. A visão de um sonho transposto. Era, na simplicidade de um desejo, a perfeição. A pele alva que exalava o requinte almiscarado da juventude sobreposta á verdadeira matéria de uma anatomia irrepreensível, da personificação libidinosa de um homem. O azul cristalino dos seus olhos reivindicava de mim o esbanjar de uma expressão adulatória que não reprimi. Não queria reprimir absolutamente nada que ele me provocasse, não queria pensar que não fosse óbvio para ele que assim era. Que obstante um mundo inteiro de memórias e sentimentos, ruas seguras, portões e equilíbrio, eu os trocaria sem pensar, apenas pela possibilidade de poder sequer tocá-lo.
- Perdidos? – Falou. A voz mais bela que havia ouvido. Uma tradução imersa, daquilo que era sagrado e profundamente humano, num tom tão quente e seguro que surgiram espontaneamente mil razões para que assim fosse. Estava perdida. Estava exactamente tudo o que ele decidisse.
- Não. – Rosnou-lhe o estranho colocando-se de pé a meu lado. Mirei-o por um segundo sentindo como aquilo me afligia. Estava louco!!! Que estava ele a fazer?!!! – Tu estás?
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