terça-feira, 8 de junho de 2010

Rua da JinX - Entre Mágoa e Ilusão - III

A primeira imagem, a que nunca mais me abandonará deste mundo, é de tal forma soberba que me quedou pela sensação de pequenez. Abraço-me a mim mesma na procura de sustento que me saldasse a falta de coragem. Francamente, julgo-me pouco adequada (até na minha rua), tendo a meus pés, apresentando-se glorioso, um fragmento de éden.

Ao atravessar a ampla passagem que a mão de âmbar me oferece, em todo o seu esplendor, corre uma pesada e ensurdecedora cortina de água no interior obscurecido de uma cascata. A luz que a trespassa, abafada pelo volume da sua magnitude, é a profunda radiância da madre pérola beijada por um sublime tom cerúleo. – Tomei-me pelo incentivo de ainda não ter provado a mim mesma não continuar a sonhar e dei o primeiro passo. Agora, não recuo mais. Estou aqui… - O cheiro incontornável a efervescência de água doce, que desbrava ar e se lança esquecida de percorrido caminho, sempre veloz, imparável, na busca de repouso no seio carente da terra que a clama… Envolveu-me a pele com a frescura da primavera, insurgindo o meu toque por um desejo de me banhar nela, de a sua pureza me retratar perante as injúrias dos meus defeitos. – E são de bom tamanho. Resumindo-os, sou excelente exemplo de que existem almas longe de alcançar a tão discursada luz. – O peso vergou-me ao tentar atravessar o manto de água, subjugou-me e cai de joelhos.

(…)

Não foi o reconhecimento da tua presença que me fez recuar em desamparo. Ou calor da tua mão devolvendo-me o equilíbrio com a urgência de quem tenta agarrar uma chama e a abandona antes de esta queimar. Nem o teu corpo trespassar a agua a contra luz e quedar-se a um palmo de mim, seguro mas fugidio na graça de se saber mera ilusão… tão pouco os teus olhos que irradiavam curiosidade infantil e devolveram a incredibilidade dos meus num reflexo que durou duas batidas de coração e se deleitaram em seguida na confirmação deste nosso encontro.

Foi o teu sorriso. Esse sorriso com que me brindavas a par da impossibilidade de seres real, de poderes de facto estar ali, frente a frente, a um palmo de mim, que me fez virar costas e correr para a segurança da minha rua deserta alem do portão de âmbar.

(…)

Respirei fundo de mãos no peito e pensamentos velozes. Não era possível, não eras real e nunca poderias ter estado ali. Estavas num portão da minha rua… eras fruto da minha imaginação, fruto dos meus desejos, dos meus sentimentos… maldição… eras reflexo de sombras que não se sustentavam em matéria alguma. O calor da tua mão era a demência que trouxera a necessidade de criar tal sorriso. – Entrego-me ligeiramente ao conforto de procurar explicações, mesmo que incoerentes, acerca do que acabara de ter visto, ou do que julgara ter visto. Isto é exactamente o que me dá a certeza de que me encontro segura na minha rua, de certa forma é a minha corda de resgate até encontrar a saída para um qualquer imprevisto com que tropeço, frequentemente, desde que a rua existe.
Respiro fundo de novo, dada a justificação para o “problema”. Afinal não devia vir á minha rua quando o cansaço me causa delírios que começavam com portões iridescentes que nunca havia visto e figuras com sorrisos desconcertantes que dificilmente me sorriam ou me tiravam o equilíbrio.
Abano a cabeça permitindo que a gargalhada apatetada que me foge da garganta ainda torne tudo mais fantasioso. Sei-me agraciada por uma imaginação fértil e perigosa capacidade de detalhar os mais complexos labirintos de pensamentos… mas criar uma personagem independente de mim? Na minha rua? Além de um portão que nunca vira antes?... Paralelo de universos e sorrisos que me faziam perder o chão… ridículo!!! Que imbecilidade!!! Impossível!!!

Sinto a descompressão de cada músculo ao longo do meu corpo como electricidade que desembarca no desconhecido sem olhar para trás. Pelo menos fora rápida a reagir, dei graças a isso reconhecendo que nem sempre me liberto com facilidade de divagações tão inquietantes… estava tudo bem!!!
Passo as mãos pelo cabelo em gesto de segurança reafirmada, pronta para regressar e trancar esta visita no canto mais recôndito da minha mente como uma mentira elaborada especialmente para mim mesma, feita por medida e legítimo molde caso mais tarde a encontrasse e fosse obrigada e desculpar-me por não me recordar do que tinha acontecido neste dia.

- Vais voltar amanhã?

Num acesso de coragem rodo sobre os calcanhares mais na tentativa de me proteger, não estando de costas para o desconhecido, do que na procura de confirmação de que tinha ouvido a sua voz. E, para puro terror de todos os meus sentidos, lá estava ele novamente, uma figura alta e descontraída, encostado no arco do portão totalmente aberto, olhar ligeiramente trocista, com os braços cruzados no peito e sorriso radiante.

(…)

Alcanço desalmada a porta da saída, depois de correr como que transportada numa onda de pânico que escalou voraz todo o percurso na única certeza de que tinha de sair dali rapidamente… olho para trás enquanto atravesso o meu horizonte e deixo escapar um sussurro:

“ Existem mentiras que criamos apenas para nos deslumbramos mais tarde com a verdade”

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